sábado, 16 de outubro de 2010

Federico García Lorca - Da Fuga


A meu amigo Miguel Pérez Ferrero

Perdi-me muitas vezes pelo mar,
o ouvido cheio de flores recém cortadas,
a língua cheia de amor e de agonia.
Muitas vezes perdi-me pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.
Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém-nascido,
se esqueça das imóveis caveiras de cavalo.
Porque as rosas buscam na frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
senão imitar as raízes sob a terra.
Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando uma morte de luz que me consuma.
 (Federico García Lorca)

Lorca desenvolve uma poética profundamente incomodativa aos circuitos conservadores da cultura européia de sua época, ao destacar, tanto em versos quanto em montagens cênicas no La Barraca, uma linguagem do desejo vividamente homoerótico.
Poeta de Granada, Espanha, García Lorca é figura vanguardista para os calores lírico-pictóricos de Salvador Dalí e Luis Buñuel. Laços mais que afetivos enredam uma aliança triádica entre esses 'Refugiados na Arte', quando, entregues aos enigmas dos encontros diáfanos, revelam novos traços marginais para os sujeitos-receptores. Estetas por excelência, trazem  consigo linguagens  para além do impressionismo aurático: um reside nos resquícios desmitificados e obscuros da psichè humana, o outro convoca os fragmentos reticentes de toda uma linguagem poética voltada para os seus restos. Às margens do poder erigido, os artistas convocam o mundo e suas histórias para um novo ciclo de recomeço.  Filhos de uma 'geografia de rebeldes' nas Artes, não à toa trazem tatuados em seus corpos o mesmo signo-cidade: Andaluzia.
A nós, carga volátil em transes explosivos de estruturação final da obra de arte, resta-nos o trabalho mais árduo  de todos: perder-nos completamente nas meta-transformações propostas por suas obras. Eis nosso 'LÁZARO, VENIS FORA' e os dados de nosso jogo lúdico com a obra estética, enfim nosso pacto ficcional refeito!
 


(ver: relações entre a cidade-nascimento de García e o filme surrealista 'Um Cão Andaluz', de Buñuel e Dalí).

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