sábado, 19 de novembro de 2011

Cartas De Quem Muito Amou



- Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que escrevi. Às vezes, quando chove muito no hotel, durmo só para encontrar aquele amor que jurei, a duras penas, acalentar, beijar e abençoar. Sei lá, escrevo cartas, textos e tantos outros sabiás cintilantes, em um azul turquesa que atravessaria o oceano. Mas digo chega, por hoje basta! E seco o whisky que culpa minha mão estabanada, a mensurar o chão que guarda um cheiro, tua pele marcada, teus sonhos inúteis, o toca-discos a fazer amor com a voz de Carlos Gardel.
- Quando chovia, tu estavas a morrer, escritor da paixão. Há tantas cartas, retratos, papéis amassados pelo chão, a desenhar uma usina de vida entre as manchas no tapete turquesa. Aos poucos, sinto a cicatriz do peito que me abençoa, que me abraça e me conforta, um texto me embala o sonho, e posso ser um pássaro, um rádio, um verso mal escrito e banal. A verdade é que, sei lá, quando chove muito, o teu rastro de olhar molhado me seca o caminho, tua imagem santifica meu sonho. Leio mais uma vez, em voz alta a carta que deixou, para que nos encontremos um dia: 'TUA IMAGEM SANTIFICA MEU SONHO'.
- Saudade: do lat. solitate, 'solidão'. A saudade é casa vazia que abriga um só hóspede, desterrado estado de abandono. Engraçado, um dicionário velho, esquecido na gaveta do armário por algum hóspede, diz-me mais sobre mim do que o travesseiro, a quem habituei-me a crer amigo das águas que rolam pela cicatriz do meu peito! Escrevo que quero tanto que alguém... Não! Eu escrevo que Caio F. escreveu que queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que escrevi.
- 'No Rio, 22:15h, boa noite.' Boa noite! A televisão acompanha-me nas narrativas do quarto, companheiro muito falante com quem aprendi a preparar margueritas para um só copo! É que na solidão da noite, a saudade faz muita falta para quem muito amou! Não faz mal querer que alguém me escreva, me torne vida, por tudo aquilo que a gente é, desde os pés até o que nos escapa. Pois, a verdade, é que num deserto de almas, também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.
- Abandono aqui a mão marcada!
- Ali me deixo rolar na cama!
- Rompimento!
- Partida!

'As cartas são minha herança pra você,
Para sempre teu
Caio F.'

Uma singela homenagem ao Caio Fernando Abreu, que disse assim, bem baixinho, 'Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que escrevi'. Pois te amo, meu xará de todas as horas, sempre amante do texto e da vida que conferimos existência! Fique bem quentinho onde estás, cantando baixinho Tu Me Acostumbraste!


domingo, 6 de novembro de 2011

'Longe' Ao Longe, Dificil Canção do Exílio

Longe 'ao longe',
Diz-me Textos, varão Calado,
Rasgados na urgente noite
A sozinhar como queiram os astros
A difícil canção do exílio

Alardeado, largado,
Inicia o rito báquico a seduzir touros pelo caminho
Erra o tíaso por tendas e desertos
Na mão crispada ab-sinto enluaradas noites

Dos cavaleiros errantes, lidera a matilha selvagem,
Fazendo nascer encantos e filhos na pele ardente
A ladrarem juntos o canto suado
Das bacantes masculinas

Enganado, solta o ar no fim do dia,
Empunha o ardente texto paixão
Perde a vida ou quase nada,
Rasga brâmanes na fúria dos cantos
Encanto duro ou flor de cactos

Longe 'ao longe',
Diz-me o homem que amo,
Difícil canção do exílio

Foi-se quem acostumei-me a ser,
Nunca vacilante em ereções
De farras aposento tantas tramas,
Chamas sacanas no oeste foram o norte

Julgo amar, julgo não amar,
Desejo falar não sobre o amor,
Sobre tudo, muitos devaneios!
Saberei desinstrumentalizar-me?

Arco com o discurso alheio
Mas quanto ao nome próprio,
Alheio-me no tempo e
Caio distante do sujeito EU

Marginal da ordem, perde o tino
No passo incerto do Zagreu Dioniso
Revelado na luz sob o sol

Só sei o que não digo
Preso às lexicografias do deserto
Sou engano ou paixão?
Fraco ou divino?
Perdi a conquista?

Lá se vai a noite cangaceira,
Dizem os lobos, loucos à flor da pele!
Dos finos bagos de romã aos acalentos
Miro urgente necessidade de ser,
À beira da janela, um beija-flor

Chovo fácil, enlameio ou minhoco a terra
Onde faço amor no chão com a língua
Uma necessidade vertigem flor do dia.

Quanto tempo falta para dizer sim?
Quanto tempo para se reconciliar?

Longe 'ao longe',
Diz-me ele, pedra de alquimia,
Difícil canção do exílio
(Caio Di Palma)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

TORNO-ME GRIÔT OU PALATO-ME EM MOSAICOS



Torno-me griôt ou
Palato-me em mosaicos

Horizontino-me em matérias
Quando saltam mares, heróis
Dragões e brasões
Nas quase sereias palavras
Do verbo encantado
Em homéricas Odes

Na oralidade banto
Durmo no chão com a linguagem-máscara
Com minha trova a dançar nas línguas
Dos marinheiros bonitos fiz nascer
Espumas brancas e Cantores de Leitura

Quem amará Odisseu,
Se com o canto
Encanto o espanto primeiro?
Phainonmenon ou Teogonia DiCaioPólis?

Torno-me griôt ou
Palato-me em mosaicos

Fiz minha cama de noivo
No decurso silencioso de um poema
A engravidar o silêncio com a lonjura dos sons
A imaginar o missosso que vem da Sebe ao Ser

Homens de Prometeu,
Tambores de Hécate, Caliope e Aruanda
Mnemosyne sofisma-me com éthos
A hybris desmedida de Penteu e Dioniso

Por Eros e Psique,
Não cantemos mais a funesta cólera de Aquiles
Nem digo que se cale tudo que a antiga Musa canta
Pois há um varão entre vós que sabe o que encanta

Antilhas marítimas em herbáreos de livros
Antuérpia perdida por entre cátaros e beguinas
A alquimia do ardente texto Cantileno
Depois dos pregos na erva,
Missangas do pássaro encantado, um ente

Torno-me griôt ou
Palato-me em mosaicos

Meu mártir enfeitiçado se arrebata por aqui
Em tempestades-fúrias marcado de paixão
Ébrio e errante amante, o senhor de Herbais,
Carnavaliza no peito duas combustões
O beijo do falcão a conjurar a dança do leão

Se de chão em chão
Mostro que a vida é sonho em ode tribal
De grão em grão penetro a jornada do homem louco
Por amar um cão, por amar um arbusto
Por amar um anjo, a imagem perseguida pelo texto

E depois dessa geografia de rebeldes,
Cantemos todos os restos que nos foram esquecidos
A restante vida, a imagem perdida da batalha
Descobrindo que o início de um texto é precioso

Aqui, desbravo vertigens no calejado peito
Conto na roda o cantar do beija-flor
Encantado por tantas flores,
Falando grego com a sua imaginação,
Associo-me à Comunidade que me convocou
Censurando a música que tanto amou

Torno-me griôt ou
Palato-me em mosaicos
O beijo do falcão a conjurar a dança do leão
Sou Finita, largura do tom

(Caio Di Palma)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

OS ABSOLUTAMENTE SÓS

"pois o anjo
sempre foi a imagem perseguida pelo texto"
(Onde Vais, Drama-Poesia? - Llansol)



OS ABSOLUTAMENTE SÓS


Cansado de causar cansaços
De abandonar amores e abraços
Um chumaço de amor despedaçado
Enlaço meus próprios passos aos pés em laços


Um anjo em pedaços
Te amo ou te abraço
Aos dois me arrasto,
E assim me acho
Já cansado de não amar, só amassos
Me iludo e me farto


Fui,
Serei um ato?
Um homem machucado?
De um amor, um recado amassado




- Há um fulgor por vir aqui, Joshua
E não sei se a sua vinda
Causará uma simetria ou um caos
É a contra face do texto enredado
Autonomia dos rebeldes
As margens dos relatos
O 'aonde vais?' de toda poesia


Errado,
O espelho dos cacos silenciados
As dores soterradas em silêncios incendiados
OS ABSOLUTAMENTE SÓS


- Litoral do mundo,
Os pregos na erva,
Geografia de rebeldes,
Causa amante,
Uma data em cada mão,


N'O Livro das Comunidades
Não acho nenhum fato ou relato
Eu acho




Um Caio



Ao cão Jade,
Ao arbusto Prunus Triloba,
Ao Coração do Urso,
Às Damas do Amor Completo e a Joshua,
À beguina Hadewijch, São João da Cruz, Müntzer e Comuns,
À Comunidade de figuras e à Ana de Peñalosa,

À MARIA GABRIELA LLANSOL,
obrigado pela convocação amante e fulgurante aos seus textos,
Sem sua Comunidade textual, cenas-fulgor, sem a Palavra-Clorofila,
Sem o luar libidinal, sem Esse-Presença Amante,
Nunca interrogaria para 'Onde Vais, Drama-Poesia?'

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Imanifesto Horizontal Aos Covardes ou O Estudo de Dois Corpos

Primeiro, um lugar que faça girar a cena
Um corpo escrito sobre outro corpo,
A divulgar as esculturas preservadas nos sujeitos
Os dois e o silêncio, o tempo como professor

Atinjo o óbvio obtuso das duas bocas
Assusto-me, evidências da minha morte!
Quem poderá, com um gesto,
Riscar a odisséia de vossas vidas?

Um corpo torna-se presença
Sob escombros fátuos do pensamento,
Cruzo ilhas férreas em cólicas de Gaia
No dia-a-dia Réia, digo rios (tempos)
Uno-me a ele através de seus gestos previsíveis,
Seus receios medíocres, suas plataformas castradas

Salivar seus indícios escusos,
No caos ácido da cidade entorpecida,
Faz-me sufocar o desejo e a selvagem figura.
Tento, mas não atinjo, seu vazio instaurador
- Do silêncio ou da morte do sentir?
Quem diz? Que importa quem fala?
Já disse alguém.

Nesse corpo, apenas sinto o neutro,
A opinião velada no insulto.
Eis o ser que se ausenta e teme-se,
Interrompe a imersão no acaso sexual

O neutro é a recusa do jogo e do amante,
É tornar-se ausência quando deveria tornar-se desastre,
É fechar o texto no abrir da página

Há um tal provincianismo do geo-narcisismo
Que enjoa-me as alegorias e as divagações sexuais
As metáforas edipianizam-se, apagadas aqui
Nesse solo, inútil presença riscada

Fazer o que há é tarefa de poucos
Lançar-se no abismo do devaneio sutil,
Tactear as vertigens taradas do acaso indisciplinador
Assinar, no próprio sexo,
As libertações casuais dos trajetos em revoluções.
Tarefa nobre, corajosa e ensandecida,
Suicida, às vezes, no gosto sul do olhar noturno!

- Eis que pressinto Dioniso se apossar do texto /sic/
Os dados, já no jogo estamos lançados!

O segundo corpo, ilustre filho da meta-noite,
Intersecciona o fundo branco da tela
Desembainha, pelo avesso do sexo,
As peles vestidas na estranheza do corpo calado.

Há fuligem nas chamas dos dedos – um texto,
Perscruta ecos e tintas nos lagos obscenos da dedicação.
Em irradiação volátil de afetos, traquina,
Confunde as formas num deserto de almas.
Diz ser parte Fausto, parte Orfeu e todo enigma
Uno-me a ele através de suas imagens e seus fantasmas.

Insinua-se como um rito errante,
Cênico nas dissimulações amorosas,
Faz delirar os homens de prazeres outros.
Sob as tábuas inscritas em seu cheiro tatuado,
O laço do amante entregue ao delírio!
Origens dispersas, talvez eternamente,
De saudosas orgias bacantes

Onde o corpo estranho levou meu texto?
Que importa? Há em mim muitos, sempre outros!
O corpo some e soma-se ao meu trajeto
Eis que somos um, e somos todos!
Viemos aqui por um motivo e sabemo-lo:
Dizer o inaudito sobre os corpos libertos,
Sobre as possíveis revoluções do mundo.
Somos, talvez por toda a eternidade,
Um espelho controverso de duas figuras quebradas.

Fenícias ou Bacantes do Sexo e da Raça


As primeiras mulheres selvagens abrem-se,
Libertam-se do temor e das gentes suas
Errando pelas colinas em busca de Dioniso,
Comem carne crua e trepam na relva nua
Em torpor ou vislumbre profético,
Escutamos a descontrolada manifestação do sublime.
Elas desinstrumentalizam-se, ex-sujeitos
Não sujeitas ao acaso obrigatório das identidades

Isoladas na mania dionisíaca,
Tratam de apagar os rastros serenos de Apolo,
O deus sol, a clave diurna e racional dos paradigmas
Ousam, no decorrer das luas,
Ondular os colapsos nervosos do bárbaro Dioniso,
Deus estranho, libertador de paixões e de fúrias

O limítrofe hermafrodita embriagado,
Imagem arquetípica da vida indestrutível,
Carrega em suas máscaras as vestes
E o tambor cintilante do ditirambo,
A convocar à vida o vinho, o teatro,
A metamorfose e a loucura.

Eis que o texto colide suas linhas, sinuosas,
Com o fulgor raro de existências puras!

Dedico as plêiades dessas letras minúsculas
Aos seguidores do bardo coxeado Dioniso,
Aos coroados por seus adornos iniciáticos:
Na testa, o impulso de todos,
Os festivais em ramos de Eras!
No rosto, a metamorfose das máscaras,
A dissimulação e loucura como transcurso,
Um brinde às vivências totais!
Na boca, o fogo da flauta e dos vinhos,
A busca do ardente texto em arritmia marginal
Ao corpo em elipses revolucionárias de libertação!

Aos atores e aos palhaços deslocados,
Aos vadios boêmios e aos músicos errantes,
Aos poetas marginais e aos revolucionários militantes,
Infinitos em possibilidades de epifanias indestrutíveis,
Dou-vos parte de mim e toda minha paixão!